Do mínimo,
o máximo
Com recursos da nanotecnologia, pesquisadores mineiros desenvolvem
um remédio inovador contra a hipertensão – mais
eficaz e com menos efeitos colaterais
Naiara Magalhães
Uma das frentes mais promissoras nos estudos para o combate à
pressão alta é de tecnologia 100% brasileira. Pesquisadores
do Laboratório de Hipertensão do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia em Nano-Biofarmacêutica (N-Biofar),
da Universidade Federal de Minas Gerais, dedicam-se a criar um medicamento
inédito contra o distúrbio – a principal causa
de derrames e fator de risco para infartos, com 30 milhões
de doentes no país. Com recursos da nanotecnologia, geneticistas,
biólogos, químicos e físicos desenvolveram
um remédio programado para agir em um dos mecanismos mais
importantes no controle da pressão arterial, o circuito renina-angiotensina
– uma cascata de reações químicas responsáveis
pela contração e relaxamento das artérias.
Nos hipertensos, tal sistema está fora de sintonia. O composto
em experiência no laboratório mineiro tem por objetivo
regular o processo da vasodilatação. O novo remédio
já está sendo testado em seres humanos. Confirmado
o sucesso obtido com ratos de laboratório, o medicamento
deve chegar ao mercado em dois anos.
O impacto da nanotecnologia no desenvolvimento de remédios
é enorme. Por trabalhar com partículas tão
minúsculas quanto o bilionésimo do metro, esse ramo
da ciência permite que se aumentem a segurança e a
eficácia dos medicamentos. Foi nesse mundo invisível,
em que as moléculas não podem ser vistas nem sob as
lentes do microscópio, que os pesquisadores mineiros chegaram
aos comprimidos de angiotensina 1-7, uma substância que ajuda
a relaxar as paredes das artérias e que, em alguns hipertensos,
não se apresenta em níveis adequados. Sob a coordenação
do professor Robson Santos – que, enquanto fazia pós-doutorado
na Cleveland Clinic Foundation, foi um dos descobridores da angiotensina
1-7 –, eles conseguiram encapsular a substância em um
conjunto de moléculas de açúcar de proporções
infinitesimais. Para se ter uma ideia, um grão de areia é
82.000 vezes maior do que esse transportador químico. Graças
a essa proteção, o novo anti-hipertensivo consegue
passar intacto pelo trato gastrointestinal (veja quadro abaixo).
"Isso o torna mais eficaz", diz Santos. Desse modo, o
medicamento tem potencial para se transformar num grande aliado
dos cerca de 20% de hipertensos que têm o que se chama de
hipertensão refratária, aquela que não se consegue
controlar. O novo anti-hipertensivo também poderá
ser uma alternativa mais cômoda para os outros hipertensos
brasileiros que já controlam a hipertensão com remédios,
mas ainda têm de enfrentar reações adversas
que vão de tosse a inchaço nos pés e diarreia.
Como o medicamento é feito a partir de uma substância
produzida naturalmente pelo próprio organismo, a angiotensina
1-7, os especialistas acreditam que ele deva apresentar pouquíssimos
efeitos colaterais – ou nenhum, a exemplo do que aconteceu
com os ratos hipertensos usados nos experimentos pré-clínicos.
Nascido em 2000, da união de catorze laboratórios
da Universidade Federal de Minas Gerais, nas áreas de física,
química, biologia e genética, o N-Biofar se transformou
em referência em inovações farmacêuticas
a partir da nano e biotecnologia. No ano passado, o instituto conquistou
um financiamento de 6 milhões de reais, do Ministério
da Ciência e Tecnologia e da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), a ser recebido
em três anos. O novo orçamento é compatível
com os distribuídos pelos Institutos Nacionais de Saúde
(NIH) aos centros de pesquisa americanos. É um salto e tanto
para um grupo que, até então, trabalhava com
300 000 reais anuais.
O N-Biofar conta com dezessete pesquisadores em nível sênior,
ou seja, doutores há mais de dez anos, todos com pós-doutorado
no exterior. Colaboram com o instituto pesquisadores de onze centros
dos Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Canadá, Suíça
e Áustria. Além de desenvolver remédios para
hipertensão, o N-Biofar pesquisa medicamentos contra o câncer
e outras doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica,
como a leishmaniose. Neste ano, o instituto abriu a primeira turma
de mestrado em inovação biofarmacêutica, que,
além de trabalhar na formulação de novos remédios,
tem o objetivo de formar profissionais aptos a trabalhar com pesquisa
pré-clínica (com animais). O N-Biofar é um
modelo a ser copiado.
Fonte: Revista Veja: http://veja.abril.com.br/050809/minimo-maximo-p-082.shtml |