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04/08/2009
 

 

Do mínimo, o máximo

Com recursos da nanotecnologia, pesquisadores mineiros desenvolvem um remédio inovador contra a hipertensão – mais eficaz e com menos efeitos colaterais

Naiara Magalhães

Uma das frentes mais promissoras nos estudos para o combate à pressão alta é de tecnologia 100% brasileira. Pesquisadores do Laboratório de Hipertensão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nano-Biofarmacêutica (N-Biofar), da Universidade Federal de Minas Gerais, dedicam-se a criar um medicamento inédito contra o distúrbio – a principal causa de derrames e fator de risco para infartos, com 30 milhões de doentes no país. Com recursos da nanotecnologia, geneticistas, biólogos, químicos e físicos desenvolveram um remédio programado para agir em um dos mecanismos mais importantes no controle da pressão arterial, o circuito renina-angiotensina – uma cascata de reações químicas responsáveis pela contração e relaxamento das artérias. Nos hipertensos, tal sistema está fora de sintonia. O composto em experiência no laboratório mineiro tem por objetivo regular o processo da vasodilatação. O novo remédio já está sendo testado em seres humanos. Confirmado o sucesso obtido com ratos de laboratório, o medicamento deve chegar ao mercado em dois anos.

O impacto da nanotecnologia no desenvolvimento de remédios é enorme. Por trabalhar com partículas tão minúsculas quanto o bilionésimo do metro, esse ramo da ciência permite que se aumentem a segurança e a eficácia dos medicamentos. Foi nesse mundo invisível, em que as moléculas não podem ser vistas nem sob as lentes do microscópio, que os pesquisadores mineiros chegaram aos comprimidos de angiotensina 1-7, uma substância que ajuda a relaxar as paredes das artérias e que, em alguns hipertensos, não se apresenta em níveis adequados. Sob a coordenação do professor Robson Santos – que, enquanto fazia pós-doutorado na Cleveland Clinic Foundation, foi um dos descobridores da angiotensina 1-7 –, eles conseguiram encapsular a substância em um conjunto de moléculas de açúcar de proporções infinitesimais. Para se ter uma ideia, um grão de areia é 82.000 vezes maior do que esse transportador químico. Graças a essa proteção, o novo anti-hipertensivo consegue passar intacto pelo trato gastrointestinal (veja quadro abaixo). "Isso o torna mais eficaz", diz Santos. Desse modo, o medicamento tem potencial para se transformar num grande aliado dos cerca de 20% de hipertensos que têm o que se chama de hipertensão refratária, aquela que não se consegue controlar. O novo anti-hipertensivo também poderá ser uma alternativa mais cômoda para os outros hipertensos brasileiros que já controlam a hipertensão com remédios, mas ainda têm de enfrentar reações adversas que vão de tosse a inchaço nos pés e diarreia. Como o medicamento é feito a partir de uma substância produzida naturalmente pelo próprio organismo, a angiotensina 1-7, os especialistas acreditam que ele deva apresentar pouquíssimos efeitos colaterais – ou nenhum, a exemplo do que aconteceu com os ratos hipertensos usados nos experimentos pré-clínicos.

Nascido em 2000, da união de catorze laboratórios da Universidade Federal de Minas Gerais, nas áreas de física, química, biologia e genética, o N-Biofar se transformou em referência em inovações farmacêuticas a partir da nano e biotecnologia. No ano passado, o instituto conquistou um financiamento de 6 milhões de reais, do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), a ser recebido em três anos. O novo orçamento é compatível com os distribuídos pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) aos centros de pesquisa americanos. É um salto e tanto para um grupo que, até então, trabalhava com
300 000 reais anuais.

O N-Biofar conta com dezessete pesquisadores em nível sênior, ou seja, doutores há mais de dez anos, todos com pós-doutorado no exterior. Colaboram com o instituto pesquisadores de onze centros dos Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Canadá, Suíça e Áustria. Além de desenvolver remédios para hipertensão, o N-Biofar pesquisa medicamentos contra o câncer e outras doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica, como a leishmaniose. Neste ano, o instituto abriu a primeira turma de mestrado em inovação biofarmacêutica, que, além de trabalhar na formulação de novos remédios, tem o objetivo de formar profissionais aptos a trabalhar com pesquisa pré-clínica (com animais). O N-Biofar é um modelo a ser copiado.

Fonte: Revista Veja: http://veja.abril.com.br/050809/minimo-maximo-p-082.shtml